cartas para plutão
antigas

para um doutor



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Pequenas A. e B.,

sim, pequenas pequenas pequenas, eu sei, eu sou mais nova, mas isso não faz muita diferença, eu tenho essa coisa prepotente de quase toda caçula, de não suportar a pequenice e ficar enxergando as mais velhas como menores, como crianças indefesas, aquelas coisas, vocês já me conhecem, não preciso explicar.

Eu sempre tenho vontade de escrever pra vocês, sempre tenho vontade de dizer coisas pra vocês que a gente nunca diz nos hiatos da rotina, porque precisamos dormir e tomar banho e comer e namorar e ler e pensar em outras coisas, porque precisamos distrair a cabeça de um mundo que nos acolheu, mas que mostra espinhos toda hora. Tenho vontade de escrever porque as palavras aparecem no meu estômago e incomodam até sair, porque sempre dizem que a gente tem que dizer o quanto gosta pras pessoas porque elas podem ir embora.

E foi, pensando nisso, que eu decidi escrever pras duas, então.

Vocês não podem ir embora, vocês nunca vão embora, vocês são o verbo estar em qualquer tempo verbal. É tão bom ter a certeza de que vocês estarão perto de mim sempre, de que tudo o que eu olhar terá um pouco do azul dos olhos de vocês, de que mesmo indo morar em outro lugar, mesmo não dividindo mais a respiração calma do sono no mesmo lugar, vocês estarão por perto.

Agradecer seria pouco. Como se agradece por uma vida inteira calma? Como agradecer cada noite de tranqüilidade, cada abraço, cada mordida na mão, cada beijo na testa, cada segurada na mão na hora de descer do ônibus do colégio? Como agradecer o amor infinito, o olhar calmo e resistente quando o meu estava molhado, a voz de saudade verdadeira no telefone? Pode dizer um simples obrigada para tanta coisa?

Obrigada.

Por me darem orgulho todo dia, por sorrirem sinceramente, por brigarem comigo, por cuidarem de mim sem nem perceber que estão cuidando, por aceitarem que eu não aceito ser tida como a única que precisa de cuidados, por fingirem tão bem que concordam comigo e por pedirem ajuda sempre que precisam.

Outro dia, lá naquele lugar novo que eu freqüento, me perguntaram se eu já sabia o que eu seria quando crescecesse. Eu não respondi a verdade, mas a verdade é que eu já sei o que eu sou e o que eu serei quando crescer e o que eu nunca deixarei de ser, acima de todas as coisas que eu posso me tornar ou deixar de ser: irmã menor.

Com carinho infinito,
N.