cartas para plutão
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para uma flor murcha
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Querida D.,

outro dia eu recebi um email que me fez pensar em você.

Era um desses emails com as letrinhas FW na parte destinada ao assunto e eu sempre desconfio desse tipo de email, eles funcionam como vendedoras de loja pra mim, sabe - eu tendo a não gostar antes. Mas eu resolvi abrir porque depois de FW vinha a seguinte inscrição "gigante da -insira aqui o nome de um país nórdico-" e eu fiquei pensando se seria mesmo um gigante ou só uma pessoa de dois metros e pouco e tal, abri.

Abri o email, li a história do gigante (ele não pára de crescer porque fez alguma cirurgia na cabeça que afetou a glândula do crescimento), li que ele tinha dois metros e cinqüenta e três centímetros (se a minha memória não falha) e fiquei sabendo das dificuldades que ele tinha, tava tudo ali, escrito. E pensei: ha, deve ser legal ter dois metros e cinqüenta e três, ninguém te amedronta, o tapa de uma pessoa de um e setenta não dói, por exemplo.

Só que aí, no fim do email, havia algumas fotos dele:

uma delas mostrava ele com a mãe e eu não pude não me chocar: ele era MUITO maior do que ela, assim - MUITO mesmo. E deve ser bastante estranho você ter quase um metro a mais do que a sua mãe, sabe, porque mães protegem e tal, mães mínimas ficam meio incapazes, eu acho;

outra mostrava-o tentando mexer em um celular e eu realmente fiquei olhando horas pra foto, porque um celular comum era do tamanho do dedo indicador dele - ou até um pouco menor. E, poxa, não estou sendo idiota de graça, não, é que deve ser bem difícil não conseguir discar um número no telefone;

a outra foto era o gigante do lado de um cavalo e -te juro- parecia um pônei, cara, inacreditável, te digo, parecia um pônei filhote, eu acho. (Existe isso ou pônei já é filhote? Não sei bem.) Na verdade, eu acabei lembrando das suas bonecas, porque parecia aquele cavalo de brinquedo que você tinha. Já pensou ficar do lado de um cavalo de verdade como se fosse um cavalo de mentira?

Então, a essa hora, você deve estar pensando por que raios eu estou te escrevendo pra te contar isso, não está? Faz mais de três anos que a gente não se fala, eu não sei mais se você ainda está morando nesse lugar ou se você já foi morar na Lapônia, já foi procurar o papai Noel como você prometeu pra mim que ia. Mas eu tive que te escrever ainda assim, mesmo não sabendo se essa carta vai mesmo chegar até você, porque, sabe, eu meio que entendi a sua condição.

Não, D., eu não acho mesmo que você é gigante, não é isso.

É só que, acredita em mim, o mundo não está preparado para receber as pessoas que são mais. De verdade, não está, ainda que essa grandeza se traduza concretamente na altura, o mundo não está preparado, não há nada pronto para pessoas assim.

E não há nada pronto pra você, então.

Porque você é tão maior que tudo isso, D., você é tão mais do que todas as outras pessoas, o seu coração é tão maior do que uma casa, que, sabe, as pessoas não sabem como reagir. Da mesma forma que aquele gigante não pode andar de carro, não pode entrar num ônibus, não pode usar as roupas que vendem nas lojas comuns, eles também te proíbem de ficar aqui fora, eles te prendem aí e fingem que você é que tem problema e te dão remédios e prometem que você sairá daí assim que melhorar.

Mas você não vai melhorar, D., não há como você ficar melhor. O melhorar pra eles significa ficar igual a todos, fazer as mesmas coisas. Então, por favor, não melhore! Eu lhe imploro.

Não, D., eu ainda não criei coragem para te tirar daí, eu ainda não comprei as nossas passagens para a Lapônia e eu ainda não sei como eu posso te deixar feliz - eu não tenho mais coragem de ir te ver. Mas eu quero arrumar um jeito, de verdade, eu quero passar aí um dia desses e te levar pra Lapônia e brincar na neve contigo.

Quem sabe, quando eu criar coragem para ir te buscar, de te tirar desse branco repressor, a gente não aproveita e passa na casa desse moço muito grande e explica que a culpa não é dele, mas sim do resto do mundo.

Ainda estou aqui fora,
T.