cartas para plutão
antigas

pra dizer oi
para chegar mais perto
para ele, que tá longe sempre
para o ano velho
pra você gostar de mim
para mudar o lugar das grades
para carinho
para uma flor murcha
para melhores amigas
para um doutor



cannothelp@gmail.com

Querido querido,

eu sei que é difícil aceitar o preconceito das pessoas. Que é difícil não poder beijar o seu amado na rua. Nem andar de mãos dadas. Nem fazer um carinho no rosto que já vão falar. Já vão falar que você é louco, pervertido, tarado, pecador, infeliz, extraterreste, viado. Eu sei.

Mas eu também queria (eu preciso, na verdade) te dizer que isso não é a única coisa ruim do mundo. Sabe aquela velha máxima das crianças morrendo por inanição na África? Pois é, menino. Elas existem. Não fique tão chocado. Elas morrem assim. Elas ficam loucas antes de morrer de tanta falta de comida. E morrem. E você não.

Tem ainda os palestinos. Sabe quem são? Aqueles moços, coitados, que moram lá longe, perto de Israel. Israel você sabe onde é porque você já namorou um menino judeu que eu lembro. Pois bem. Eles moram perto de Israel, porque criaram esse país e agora eles não têm mais onde ficar. Acampamentos. Eles moram em barracas. Sem esgoto. Sem nada. E, ainda por cima, são bombardeados vez ou outra. Morrem crianças. De novo. E você não.

Tem ainda o sofrimento das mulheres. Você liga pra elas? Às vezes acho que só o que é masculino te interessa. Mas tem. Tem as africanas, que são muitas vezes apedrejadas até a morte por uma traiçãozinha à toa (dessas que você já fez tantas vezes). As muçulmanas, que dificilmente são felizes. Burcas. Sabe o que é? Então. O dia inteiro. A vida inteira. Ali debaixo. Vendo o mundo por uma frestinha menor do que cinco centímetros. E você não.

Você tem o mundo inteiro pra você ver. A sua moda. Os seus namorados. Os seus amores. A sua vida toda. Eu sei. Não é fácil agüentar o ódio dos outros. O medo que eles sentem de ser igual a você. O pavor de também ser homossexual. A homofobia dos mais conservadores. Os skins heads. Não estou dizendo que é fácil. Mesmo sem saber exatamente como é, eu imagino.

É só que, talvez, se você percebesse o sofrimento alheio - o TAMANHO do sofrimento alheio - você poderia se sentir mais confortável. Saber que não é o único que sofre. e, além disso, que não é o que mais sofre. Pelo contrário: a sua dor é contornável.

F.