cartas para plutão
antigas

para um querido
pra dizer oi
para chegar mais perto
para ele, que tá longe sempre
para o ano velho
pra você gostar de mim
para mudar o lugar das grades
para carinho
para uma flor murcha
para melhores amigas



cannothelp@gmail.com

Querida D.,

passei uns meses pensando o que te escrever. Eu fico me sentindo tão incapaz. Levando a minha vida aqui de longe, pensando em você todos os dias e não fazendo nada além disso. Hoje, por exemplo, eu estou te escrevendo essa carta. Ontem eu liguei praí, perguntei se você estava bem, me contaram que você tem gostado à beça dos dias de sol. Fiquei feliz. Agora eu gosto deles também.

Não te escrevi nesses últimos meses porque. Não tem razão. Fiquei com medo, acho. Não recebi resposta da outra carta, mas eu liguei também pra saber e a Angélica disse que você leu e guardou a carta. Espero que você faça o mesmo com essa. Pode jogá-la fora, mas leia, por favor.

Eu não vou aí porque eu sei que eu vou chorar, D. Eu não quero chorar na sua frente. A gente combinou que eu não ia fazer isso. Ou pelo menos eu te prometi no dia que eu te deixei aí e, desde então, eu tenho chorado todos os dias da minha vida. Há três anos já. Eu choro porque eu não queria ter me separado.

Acho que eu sou meio gigante. Ou então eu cresci demais de uma hora pra outra, sabe. Acho que sim. Hoje eu vi a foto da mulher mais alta do mundo. Ela tem dois metros e trinta e oito. Mora na China, se chama Yao Defan. Na foto que eu vi, ela usava blusa e calça vermelhas. E os cabelos presos. Seu sorriso era um pouco incerto. Alguém estava doando um sapato para a Yao. Eles eram do tipo de sapato chinês, pretos. As meias dela também era vermelhas.

Me sinto um pouco como a Yao. Tenho só um metro e setenta, eu sei, mas, depois que eu te deixei aí, a minha convivência com o mundo ficou impossível. Eu vou para aquele trabalho todo dia porque eu preciso te manter aí e porque, se eu ficasse em casa, eu iria. Ah deixa pra lá. Então eu vou pra lá, mas ninguém sabe nada de mim além do meu nome e dos meus prováveis peso e altura. Eu não consigo mais conviver com ninguém, D., as pessoas me doem o tempo todo, estão sempre tão distantes. Lá depois daonde ninguém vê.

Sou um pouco gigante e não tem ninguém mais que me alcance, sabe.

Talvez você tenha se lembrado do gigante do país nórdico (daquele que eu te contei na outra carta). Pois é, tem ele. Mas ele mora longe da Yao. E se ele não gostar do perfume dela? Não te parece triste que os dois tenham que aceitar um ao outro pelo simples motivo de que eles são gigantes e não existe mais ninguém no mundo como eles? Além do que, ela pode não querer um namorado agora - e se ela só quisesse ficar eventualmente com alguém e levar a vida assim. Que vida, aliás? Será que ela trabalha? E se ele não conseguisse conquistá-la?

Eles são os únicos um para o outro, D.

Desculpa eu não ser um bom par para você. Eu sei que nós somos as únicas uma para a outra e que eu não estou sendo uma boa companheira. Me perdoa. Eu decidi te entregar essa carta ao vivo.

Até lá,
com muito amor (de gigante),
T.